As vezes precisamos de um vento contra Parte 1

Veleiro Vidão

Por Pieter Kommerij, o holandês do Veleiro Vidão.

A idéia era de velejar de Paranaguá para Florianópolis. Maravilha… O Vidão em ordem e arrumado (pelo menos achei…) e muito bem abastecido (água, diesel, cerveja padrão Vidão – Heineken – e comida. Inclusive um bolo de fubá com goiaba e barreado congelado de uma qualidade e paladar fora de série).

Lógico que o Windguru foi consultado nos dias anteriores. Sim, ia ter vento do Sul, mas pouca coisa (22-25 nós). Não tem problema: abrimos um pouco mais, para depois voltar… Mamão com açúcar…

Pegamos um amanhecer maravilhoso, com maré vazando, 7 nós… O Canal de Galheta um espelho… Bastante navios entrando e saisndo… Logo um contato com os práticos sempre válido.

Como não poderia ser diferente, o Vagner e eu (uma vez passado bóia 1, e no rumo) conversando em cima de convés sentado, tomando café… piloto automático ligado, tudo sob controle e contemplando como fantástico foi a saída, e como será esta travesia… De repente aquele barulho que todos nós conhecemos: o batido fundo de um navio graneleiro por perto… aonde? Pqp, o bicho estava na alheta de BB e passou perto suficiente para ser bastante incômodo… De fato não tínhamos visto e nem prestado atenção do que vem atrás…Todo mundo sabe disso, mas é tão fácil de relaxar e achar que esta tudo bem… Atenção 360 graus de vez em quando….

O vento realmente estava Sul, mas não muito forte, e a viagem segue tranqüilo. Já que esperávamos o vento apertar mais tarde (noite) decidimos fazer um macarão penne (também padrão Vidão, para quem não conhece) porque pensei que a noite com mais vento é mais fácil esquentar o barreado… E o resto de tarde segue sem muitos novidades.

Happy hour, música, queijo e vinho no final da tarde, e o ventinho já começando apertar… E com isto as ondas também… Precisamos de abrir o rumo mais para fora, e decidimos em colocar já o segundo rizo (precaução).

Já escuro um golfinho solitário se exibe perto do Vidão. São estes momentos que valem a pena….

Barco já batendo, esquento barreado (inclui farinha….). Maravilhoso, realmente muito bom…. E desisti de lavar louça e arrumar tudo…

Começa chover por volta das 11 horas da noite e com isto pifou-se o piloto automático! Para não abrir de mais, vamos fazer uma borda. Com isto, realmente vai se tudo no chão… Bagagem, almofadas, inclusive a caixa de ferramentas que foi lançado igual um torpedo. Em questão de segundos virou uma zona dentro do convés.

Tenho que fazer um sistema simples (um compartimento) onde se coloca toda a bagagem. Assim não atrapalha e não cai no chão.

Com vento já chegando em 25 nós e ondas de uns 3,5m vem de vez em quando bastante água e lava a proa do Vidão. Já sabia que ia entrar água por ai: simplesmente um silver tape não faz mais milagres nestas condições. Resultado: ropas e mala na cabine de proa totalmente ensopado….

A noite sem lua, com chuva, bastante escuro… Barco batendo, adernando e vento apertando. Porque os desenhistas de roupa de mau tempo não fizeram umas adaptações simples e eficientes para que pode se urinar sem tirar praticamente toda roupa?

Noite a dentro, foi praticamente impossivel de se mover dentro de cabine sem correr sérios riscos de se ferir (dormir nem pensar), logo ficamos lá fora. Ainda consegui esquentar um choco milk (muito bom por sinal). Depois horas de navegação, o GPS era cruel: avançamos praticamente nada em direção de nosso rumo.

No leme, observei luzes no proa de boreste (nós estávamos com as velas para BB) e me lembrei que alguém me tinha comentado que assim você avista luzes no horizonte você tem aproximadamente 20 minutos até tal navio estar perto. Tentei entender qual foi a velocidade e rumo do navio, mas era muito difícil mesmo, até que chegou perigosamente perto! Uma combinação de condições não ideal, cansaço e erro de interpretação da situação real, realmente deu um susto. Tudo bem, o bom Deus deve ter ainda planos fantásticos para nós….

Amanhecendo, só daí vimos a realidade da situação das ondas: não sabia que eram ondas de 3,5m, mas agora sei. Tudo bem, não exatamente no rumo, mas vamos que vamos.

Daí as 07:00 de manha a genoa rasgou bem numa costura horizontal de ponta a ponta. Maravilha. Para não danificar o resto, enrolamos a genoa. E agora? Liguei o motor, e consultamos o GPS: estávamos ainda 25 milhas fora da costa com o porto mais perto sendo Itajaí… O GPS indicou ainda uns 5 horas assim…. Batendo, com só o grande no rizo e no motor. Nestes condições nós íamos chegar em Florianópolis somente 23:00h.

Com o piloto automático quebrado, genoa rasgado decidi de tentar chegar em Itajaí era a melhor opção. Mesmo um viagem um tanto quanto complicado, aprendi um monte de coisa. E por isto, as vezes precisamos de um vento contra…

  • Mesmo num situação calma e durante o dia: sempre atenção!
  • O barco tem que estar simplesmente em excelentes condições e com gaiutas bem vedados, velas adequados e instrumentos funcionando.
  • Alguns simples modificações ao bordo (dentro do convés) fazem a diferença entre ordem e desordem.
  • Chocomilk quente é muito bom!!!
  • Não confia que outros barcos te enxergam, e também não deixa tal navio chegar perto: mude o seu rumo bem antes…
  • Vou comprar um jogo de vela nova para Vidão.
  • Vou investir num piloto automático mais robusto.
  • Idem para gaiutas.
  • Preciso ganhar na loteria…
  • Agradeço o Vagner por mais este viagem e experiência náutica…

Voltando ao título deste texto, é um paralelo para a vida em geral… As vezes precisamos, e devemos agradecer, um vento forte contra… Os elementos em nossa volta revolta… Me parece que somente nesses condições vem as idéias, a confiança em si próprio, mente aberta para quem sabe novos rumos, a convicção que o vento vai dar trégua e logo vem na través o porque não em popa…

Nas fotos, Vagner e Pieter a bordo do Veleiro Vidão:

Vagner e Pieter no Veleiro Vidão  Veleiro Vidão

Dia: 10/05/2008 - arquivado em: Histórias de Velejador