PERÍODO A/C – RELATOS PERTINENTES

Começo este relato com um breve histórico de parte de minha famí­lia, mais especificamente sobre minha ascendência paterna. Acredito que isso faz necessário para relacionar acontecimentos futuros.

Cristalino Jacob O Sr. José, meu bisavô paterno, construía carros de boi e é claro que em madeira. O Sr. Cristalino, meu avô, construiu uma pequena embarcação a remo para meu pai usar no Rio Tietê em São Paulo/SP. Meu pai, Adamastor, na sua adolescência planejou com alguns amigos descer o rio a bordo de um barco a “vela” que eles mesmos construíram. O barco, pelo que ele me contou, funcionou muito bem no primeiro trecho do rio, porém, ao chegar a primeira curva… a situação foi diferente, porque o barco simplesmente não fazia curva, de forma que, a valente tripulação dessa “expedição” foram arremessados ao barranco. Mas as “construções navais” da família não terminariam por conta dessa experiência. Nas décadas seguintes meu pai foi jokey, ourives e finalmente concluiu o curso de odontologia em Curitiba/PR. Na minha infância ocorreu o reinicio das “construções navais” da família. Meu pai construiu um pequeno “caiaque” em cedro para mim. Tratava-se de dois módulos que eram parafusados um ao outro, e podiam ser transportados um dentro do outro e feito sob medida para ser acomodado em um VW karmanguia TC (carro que minha irmã possuía) . Nesta embarcação é que fiz minhas primeiras “explorações marítimas” em Porto Belo/SC aos 13 anos de idade. Aos 15 anos fui literalmente engajado em um projeto maior : a construção em compensado naval de uma lancha de 13 pés (3,9 metros). Tratava-se de um projeto tirado de uma revista de circulação na época chamada: Mecânica Popular. Lembro-me muito bem que eu como “aprendiz” tive que apertar 2500 parafusos de latão desta embarcação. E pasmem, fiquei super contente quando ganhei de aniversário da minha mãe uma chave de fenda “automática”. Não existia chaves elétricas, era manual mesmo, simplesmente a pressão da chave sobre o parafuso ajudava-o a apertar. Presente útil para aquela situação, mas difícil de convencer um jovem desta idade nos tempos de hoje. Imagine a cena : “Filho, é seu aniversário, aqui está seu presente. Em vez daquele videogame que você queria, você esta ganhando uma bela furadeira pra você terminar mais fácil aquele serviço que papai te passou “. Acho que esse exemplo atualmente conduzirá a um motim familiar.

Mas como os tempos eram outros, os parafusos foram apertados e o barco ficou pronto. Seu nome, meu pai não teve dúvida: DISPARATE (aliás o nome não poderia ser mais apropriado). E assim ele foi batizado e inaugurado nas águas de itapema/SC. Essa embarcação promoveu maior versatilidade para pesca e também propiciou minha iniciação a prática do mergulho livre.

Alguns anos se passaram e eu conclui o curso de engenharia na UFPR. Neste mesmo período, crescia na mente de meu pai a vontade de fazer uma embarcação maior para “toda a família”. O projeto também seria da mesma revista Mecânica Popular, porém tratava-se de uma lancha de 7,8 metros. Visando esse projeto, meu paicomprou uma casa na beira da baía de Guaratuba/PR e mudou-se com minha mãe para lá. Antes de começar esse projeto, meu irmão comprou um projeto de uma lancha de 30 pés (9 metros). Apesar de apenas 1,2 metros maior que o projeto que meu pai tinha, esse projeto comprado pelo meu irmão era de um barco bem maior do que meu pai estava pretendendo fazer, mas a proposta de um barco maior foi acatado e desta forma, começamos a cortar as primeiras peças de madeira deste novo projeto.

Nessa época eu já trabalhava, e ajudava no projeto da nova lancha nos feriados e fins de semanas. Foi neste meu primeiro emprego como engenheiro que tive o prazer e a sorte de conhecer a pessoa do senhor GÃœNTHER. Ele foi meu grande professor sobre barcos a vela, além de tantos outros assuntos. Não é exagero dizer que ele se tornou além de professor, amigo, companheiro uma espécie de segundo pai. Gunther Ele havia construído um veleiro na África do Sul na ocasião em que morou neste país, e ao vir para o Brasil, construiu outro veleiro de 29 pés. Passávamos noites inteiras falando sobre veleiros, sobre sua superioridade quando comparado com lanchas no que se refere a autonomia, estabilidade, auto-suficiência. Foram através destas longas conversas que fui me tornando simpatizante dos veleiros. Foi como uma espécie de conversão. Não sei se as pessoas conseguem entender o quanto é difícil mudar esses conceitos na opinião de uma pessoa. Trocar de lanchaVeleiro ladylusana do amigo Gunther pra veleiro significa de forma grosseira: deixar de lado a velocidade, em troca da autonomia, deixar a simplicidade dos comandos de motores em troca de complicados jogos de cabos, catracas e muitos outros equipamentos, e talvez a principal diferença: deixar do “aparente” livre arbítrio proporcionado pela lancha, pelo total comprometimento com as forças da natureza. Enfim, mudei meus conceitos, ampliei meus horizontes, fui infectado pelo vírus da vela.

Velejei as primeiras vezes a bordo do veleiro LADY LUSANA, veleiro do meu amigo Gunther. cujo nome da embarcação é uma homenagem a sua esposa. Inicialmente, começamos com pequenas velejadas de uma semana, saindo da marina na Ilha do Governador até a Ilha Grande/RJ, mas um ano depois, fizemos uma velejada até Abrolhos, permanecendo um mês a bordo. A conversão estava concluída, morria naquele momento uma pessoa aficionada por lanchas.

Comecei a “namorar” dois projetos de veleiro que o amigo Gunther havia me disponibilizado em caráter de curiosidade: um Vandestad de 29 pés (o mesmo barco que ele havia construído) e um de 43 pés (B.r.u.c.e ..R.o.b.e.r.t 43) , cuja maquete na escala 10:1 encontrava-se no quarto de empregada no apartamento do amigo. A maquete havia sido cuidadosamente construída pelo Gunther, todo o interior com as cabines, anteparas, camas, móveis, motor, tudo em escala e com a perfeição que sempre marcou as obras deste amigo. Ele havia feito essa maquete com o objetivo de estudar esse projeto, pois tinha a intenção de construí-lo. Entretanto, ele sempre comentava que tratava-se de um veleiro MUITO maior, e que o custo para execução deste veleiro era demasiadamente elevado.

Em 1990, minha vida se dividia entre conversas sobre veleiros com meu amigo Gunther, trabalhos na empresa, e ajudas de fim de semana na lancha em Guaratuba/PR. ou seja, trabalhava em Curitiba, visitava as obras da empresa em outra cidade, e no fim de semana normalmente ia para o litoral ajudar na lancha do meu pai. O sonho de possuir um barco, agora um veleiro, tinha que esperar pois não havia nenhuma possibilidade a curto prazo que eu pudesse vislumbrar. Outras atividades fora do trabalho, como mergulho livre e o vôo em planadores mitigavam minha ansiedade por não poder construir um veleiro para mim. O fato de existir uma lancha sendo construída em Guaratuba já não mais preenchia um espaço suficiente em meu coração náutico, essa lancha jamais teria certos predicados que eu só poderia encontrar em um veleiro.

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